A naturalização do racismo

Naturalização do racismo

Nas últimas semanas a mídia tem noticiado muitas cenas de racismo pelo país. Mas será que são casos isolados? É algo raro ou cotidiano?

Vamos aos dados?

Segundo a ONU, população negra é a mais afetada pela desigualdade e pela violência no Brasil. No mercado de trabalho, pretos e pardos enfrentam mais dificuldades na progressão da carreira, na igualdade salarial e são mais vulneráveis ao assédio moral, como mostra o Ministério Público do Trabalho.

Oded Grajew, presidente do conselho deliberativo da ONG britânica Oxfam, diz que o preconceito social no País passa também pelo racismo. “Só não concorda quem não acompanha o dia a dia da vida brasileira. Um negro que dirige um carro médio, por exemplo, é parado diversas vezes pela polícia, ou quando vai a um restaurante, avisam a ele que a entrada de serviço é do outro lado. Para curar qualquer doença, é preciso reconhecer a doença”, afirma.

A estimativa da instituição mostra que apenas em 2089, daqui a pelo menos 72 anos, brancos e negros terão uma renda equivalente no Brasil. A projeção é da pesquisa “A distância que nos une – Um retrato das Desigualdades Brasileiras” da Oxfam, dedicada a combater a pobreza e promover a justiça social. O cálculo é feito com base em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), considerando rendimentos como salários, benefícios sociais, aposentadoria, aluguel de imóveis e aplicações financeiras, entre outros.

O feminicídio, isto é, o assassinato de mulheres por sua condição de gênero, também tem cor no Brasil: atinge principalmente as mulheres negras. Entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%, ao passo que o índice de feminicídios de brancas caiu 10% no mesmo período de tempo. Os dados são do Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais. Uma evidência de que os avanços nas políticas de enfrentamento à violência de gênero não podem fechar os olhos para o componente racial.

A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios, de acordo com informações do Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A pesquisa “A Cara do Cinema Nacional”, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, revelou que homens negros são só 2% dos diretores de filmes nacionais. Atrás das câmeras, não foi registrada nenhuma mulher negra. O fosso racial permanece entre os roteiristas: só 4% são negros.

A crise e a onda de desemprego também atingiu com mais força a população negra brasileira: eles são 63,7% dos desocupados, o que corresponde a 8,3 milhões de pessoas.

Além disso, no terceiro trimestre de 2017 o rendimento médio de trabalhadores negros foi inferior ao dos brancos: 1,5 mil ante 2,7 mil reais.

Então… os dados são alarmantes né? Vendo assim dá pra perceber que simplesmente pela cor da pele, pela raça, os dados sociais são destoantes. A violência exercida contra a pessoa negra é muito grande.

O que acontece é que existe de fato um mito chamado democratização racial. Isso faz com que naturalizemos muitas atitudes racistas disfarçadas de “mimimi”. Quando você fala que o cabelo do negro é ruim você está exercendo preconceito contra aquela etnia. Mas não tem coragem de dizer que é uma violência simbólica, ou seja, não se percebe a primeira vista que é uma violência, mas se sente, por medo de ser taxado como vitimismo e mimimi. Aliás, dizer que uma violência racial é mimimi é o desenrolar da própria violência. Mas uma violência que Pierre Bourdieu intitulou como violência simbólica.

O que é então a etimologia determinada como violência simbólica?

A violência simbólica é uma de mistificação ideológica, a difusão de uma anticultura como cultura. Dessa forma, a anticultura resulta de um sistema de relações simbólicas dissimuladas com a finalidade de manter as relações de domínio. (Bourdieu, 1989)

E como ocorre essa violência?

Por meio da reprodução do ‘conhecimento’ de dominação como se fosse um ato cultural. Como é o exemplo da propagação da “cultura” do cabelo ruim. Uma violência simbólica travestida de cultura. No entanto, é uma cultura alienada usada historicamente como meio de subjugamento e dominação. É uma forma de abaixar a autoestima do negro e mantê-lo subjugado.

De posse de todos esse dados e teorias, ainda acha que o racismo não existe? Pense bem se ele não está tão naturalizado em você que até reproduz expressões racistas sem nem perceber. Dizem que “o racismo está nos olhos de quem vê”. Errado! Está na pele de quem sente, de quem sofre e convive com ele diariamente.

Com isso chegamos à questão colocada inicialmente: o racismo é recorrente ou é esporádico? Resposta: o racismo é diário. Está implícito na condição social da maioria negra. Está nas expressões racistas cotidianas que quando repreendidas chamam de mimimi como cabelo bombril, cabelo ruim, mulata tipo exportação (ainda somos mercadoria??!), preto de alma branca, serviço de preto…

O que se vê é negro sendo inferiorizado por causa do cabelo crespo, tendo a luta contra o racismo ridicularizada, a identidade negada e sendo embranquecido desde criança (já que ninguém aceita o black power armado e induz a fazer chapinha) e ainda sendo obrigados a ouvir “somos todos iguais”.

Não, não somos todos iguais porque o racismo existe e a cultura do embranquecimento sendo exercida através da violência simbólica é real, cotidiana e não é vitimismo nem mimimi.

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