O YouTuber Júlio Cocielo usou a seguinte frase sobre um jogador negro que foi considerada racista: “Mbappé conseguiria fazer uns arrastão top na praia hein”.
A pergunta é: foi racista mesmo?
Se considerarmos o contexto social do negro, o comentário foi racista sim. Se considerarmos o que o YouTuber quis dizer, mas não contextualizou, não foi racista.
Explico ambos os sentidos.
Muitos consideraram racismo porque historicamente o negro é considerado, pela polícia (e pela sociedade também. Quantas pessoas não mudaram de calçada ao ver um negro e achar que seria assaltado?), o tipo físico suspeito. Esteja bem vestido ou não, é negro, é suspeito de ser bandido. Isso é o que chamamos de racismo institucional, trata-se da falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Esse conceito foi dado por integrantes dos Panteras Negras, Stokely Carmichael e Charles Hamilton. No Brasil, o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) implementado em 2005“, definiu o racismo institucional como “o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. (CRI, 2006, p.22).
Um outro conceito que contempla essa frase como sendo racista é o racismo velado. É aquele racismo disfarçado de piada, de “eu não sou racista, tenho até amigos negros” ou “eu não sou racista, mas não queria minha filha com esse negro” ou “ela é neguinha, mas é bonitinha” ou ainda “nossa, você é uma negra de beleza exótica” ou ainda não contratar uma pessoa por causa do cabelo, não atender uma pessoa na loja por achar que ela não tem cara de que tem dinheiro.
Repetimos frases e ações racistas e muitas vezes nem percebemos que é racista. Isso porque essa atitude racista já está tão disseminada que quem a comete não percebe, mas quem sofre sente. Ao falar que um negro conseguiria fazer uns arrastões top na praia, você está propagando a ideia racista de que negro é bandido. Você não percebe pq não sofre o preconceito, mas quem sofre percebe. Além de ser um racismo velado, disfarçado de humor, é uma violência que está exercendo sobre uma população, além de estar empoderando atitudes racistas e as perpetuando mesmo sem saber disso.
O que fazer?
O que o Cocielo fez. Ao invés de brigar ele foi se informar. Estudou sobre racismo institucional e velado e entendeu que o que ele fez foi racismo mesmo sem saber. Como entendeu que exerceu uma violência, se retratou e apagou todos os tweets que continham esse tipo de conteúdo. É por aí que se começa a combater o racismo. Você, que não sofre esse preconceito, entenda, estude e busque mudar suas atitudes. Você não sofre, e às vezes não percebe, mas o racismo existe. É preciso sim se policiar com o que fala para não perpetuar a discriminação. Racismo não é opinião, é crime. O mundo não está chato, é que hoje temos abertura para falar da violência que sentimos.
Rafinha Bastos, não minimize um ato discriminatório. Racismo dói, nos diminui, destrói autoestima, nos destrói dentro da sociedade e destrói nossa sociedade. Por mais que Cocielo seja humilde como disse e pediu desculpas, continuou a ser um ato de racismo que nos feriu. Não foi um mero erro, foi racismo mesmo sem “intenção”. Por mais que você não saiba disso porque não vive o racismo, isso é grave. Comentários como esse podem ser pequenos para você que nunca foi perseguido pela polícia apenas pela cor da sua pele, nunca foi suspeito apenas pela cor da sua pele. Mas para nós, população negra é muito grande. Não minimize uma dor.
E você, Júlio Cocielo, muito íntegro o ato de se retratar e saiba que piadas e falas discriminatórias são crime e não opinião. O que precisa fazer agora é se observar para não perpetuar ações e falas racistas. Você é um influenciador e pode tanto nos ajudar a combater o racismo, como perpetuar e propagar o racismo. A escolha é sua… e as consequências também.