Certo dia, enquanto bebia um vinho debatia sobre ser resistência. Até que fui tocada pela voz que sussurrou ao meu ouvido: filha, ouve o que ele tem a dizer. Nem sempre a universidade trás toda a sabedoria. Grande parte dela está na vivência das pessoas.
Pois bem, parei de falar e fui ouvir.
Durante muito tempo militei com o sentimento e a teoria acadêmica de ser resistência. Porque só sendo resistência alcançaríamos conquistas. No entanto, a fala dessa pessoa me fez analisar de outra forma.
Sua teoria, que poderia muito ser defendida na academia entre grandes pensadores sociais, diz que há algum tempo, na escravidão e pós-escravidão, necessitávamos ser resistência. Porque cultura de preto, como a capoeira e a religião, eram proibidas e criminalizadas por lei. Tínhamos que resistir se não sumiríamos. Essa resistência gerou conquistas. A capoeira deixou de ser crime. A religião de matriz africana deixou de ser proibida.
Já hoje vivemos num país democrático onde não necessita de embate para ter posição política. Não é proibido professar fé, não é proibido jogar capoeira, não é proibido propagar a cultura negra. Por isso, ele acredita que o mais racional hoje é buscar existir. Sim, existe discriminação contra tudo isso aí, fato. No entanto, vale analisar a reação da humanidade quando leva-se uma posição política de forma violenta. Analiso eu minha própria postura:
Ao dar uma palestra com discurso raivoso, com ódio na voz, acusando pessoas brancas de racismo, em nada surte efeito. Não me faço ser escutada. Pelo contrário. O discurso de que é tudo mimimi permanece porque gerei raiva no ouvinte e ele não quis ouvir o que falei. No entanto, quando falo de forma branda, sem acusações, mas explicando fatos, contando a história e argumentando de forma a não fornecer julgamentos, me faço ser ouvida e novos espaços se abrem para mim.
Na teoria desse mestre, levar a cultura negra a diversos espaços é uma forma de existir e não resistir. Ele está mostrando que nossa cultura existe e mantendo ela viva… existindo. Ele não está resistindo a nada, mas mostrando à sociedade que “sim, existimos e essa é nossa história que não será apagada porque eu não vou deixar. Eu existo e vim mostrar isso”.
Em tempos de ódio e intolerância, essa é a mais inteligente forma de fazer política social. Levar ao conhecimento de todos a cultura, a história negra e os problemas sociais enfrentados pelo negro é mostrar a todos que existimos e que vamos continuar existindo. Enquanto existirmos vamos ocupar espaços, levantar nossa voz e lutar por equidade social.
Levar o conhecimento não é impor ideias. É mostrar que “sim, existimos e temos tais e tais problemas. Precisamos resolver”. Impor ideia é a própria intolerância. Não se combate intolerância sendo intolerante. Não se combate o ódio com ódio. Não se pode deixar o crime de racismo prevalecer, mas não se pode impor ideias. Pessoas são diferentes e pensam diferente e isso precisa ser respeitado. É possível lutar contra o racismo sem ódio.
Claro que há momentos que o ato violento não dá brechas para passividade. Mas adotar a passividade não contrapõe a luta contra o racismo. Pelo contrário, tem aberto espaços.
Como?
Com conhecimento e informação.
Muitos não vão concordar com esse texto. E tudo bem. A mudança começa por aí. Eu respeito a sua opinião.